QUANTO CUSTA UM SONHO?

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ILHEUS-BA

sexta-feira, 3 de março de 2017

O Ultimo voo no deserto






O ultimo voo no deserto.

Do fundo da tenda quente onde ele agora se escondia de si mesmo,ouviu o som de uma voz conhecida,desceu de sua cama coberta de pele de camelo e com as vistas já embaçadas pelo tempo e o vento do deserto pegou o seu bastão velho companheiro dos tempos de jornada no meio das tempestades e seguiu rumo ao fio de luz que se formou na entrada da tenda,foi como ver o mar e as grandes ondas quebrando a monotonia do lugar.
Como se fosse possivel a calma fazer parte da historia desse navegador das dunas do deserto que se ofereceu a ele ao longo de sua vida.Os olhos acinzentados,fruto das grandes viagens que lhe foram propostas e tambem dos desafios que vencera desde àquela noite impar em que ele nasceu.
Nos olhos outrora negros,resta agora só a sombra cálida e sem brilho...Ele vem vindo.
Tocou com as mãos calejadas os cabelos e o rosto e disse –É você mesmo? Já nem acreditava mais que você viria me ver.E com lagrimas nos olhos quase apagados abraçou e beijou seu neto que a tanto tempo não via.Durante alguns minutos só se ouviu ali o silencio e a respiração ofegante do velho tuareg.
-Eu vim te dar um abraço meu avô e matar a saudade.- - Vô, hoje eu quero que você faça festa e coma a comida melhor que puder comer,faça a melhor festa que puder fazer e beba a melhor bebida que houver e dance com todo o vigor que houver dentro de você.
- Está bem, meu filho - disse o velho tuareg –hoje vou me banhar mais cedo do que de costume,irei as dunas,onde há mais vento, e tirarei dela uma quantidade maior de vida.Hoje não voltarei mais cedo para minha tenda, atarei as minhas sandalias mais depressa e irei logo viver em grande porção essas coisas deliciosas.
Naquela manhã o sol se levantou mais cedo e partiu para as montanhas. Trabalhou arduamente cortando o céu com sua chama enorme e fez uma festa enorme, que cobriu os ombros do velho tuareg e o carregou nos ombros até o centro da aldeia.
Ainda era muito cedo. E o velho tuareg parecia um menino e bateu as mãos, dizendo:
-Venham, abram a tendas. Estou com fome e sede;meus ouvidos precisam ouvir alguma musica antes de eu partir para sempre.
Nenhuma tenda continuou fechada. O velho tuareg não estava tão cansado, seus pés faziam a areia se mexer debaixo deles enquanto dança e ria.Algumas horas depois, o sol já estava alto.Bateu novamente as mãos e disse:
-Tragam logo a comida. Preciso comer a carne mais saborosa tostada sobre o melhor fogo que a lenha já fez.
A aldeia agora era só festa e tinha esquecido completamente da solidão de outrora do velho tuareg que na noite anterior, tinha se deitado,desarrumado e que agora parecia menino arrumado para dar um passeio. Em seus olhos não havia mais a neblina do esquecimento que o deixou durante anos como uma porta da casa fechada.
Assim, o velho disse a si mesmo:
- Já é não é muito tarde para eu viver e sorrir. Correrei para as montanhas e caçarei o mais de todos os animais e trarei o maior feixe de lenha,agora tenho de novo ombros fortes pra levar cargas em dobro.
Aquele foi um dia de festa, coroado e enfeitado de festa que adentrou noite a fora.
- Vida,vida, não fecha a porta. Eu não estou cansado e olha que eu fiz festa o dia todo. Preciso festejar mais esta noite para aproveitar minhas forças.


Cansado,saciado e, vendo que podia viver novamente, o velho por uns instantes se assentou ao lado fogueira. Apesar de cansado de tanto que dançou,bebeu comeu e festejou, ainda conseguiu ficar acordado:não adormeceu logo.Acordou bem cedo na manhã seguinte, antes mesmo de sol se levantar na aurora.
Sentou-se, na sua cama olhou ao redor,viu seu neto ao seu lado,que ao vê-lo acordado disse:
- Arruma suas coisas! Deixa tua tenda e vem comigo.Comigo sempre terás o suficiente, terás uma vida tranquila.
O velho levantou-se e caminhou na direção da tenda por onde o sol entrava, andou e andou,então sentiu mais cansaço,ficou triste, com vontade de chorar, mas percebeu que não era hora de chorar. Assim, despediu-se de seu neto e o viu partir deixando um rastro de poeira no horizonte.
O tempo passava e parecia a cada dia que não acordaria novamente. Sentia frio e solidão demais para poder dormir.
Foi naquela tarde que o frio chegou e com ele a narrativa de si mesmo, como se fosse um conto, tudo o que tinha acontecido desde que se tomara por gente.
Sua historia começava a ter fim, pareceu-lhe ouvir a voz do neto outra vez, vinda de algum lugar no alto, como se saísse do amanhecer, que dizia:
- Vô olha como o céu esta lindo,me dá a sua mão e vamos correr pelas dunas.
O velho fechou os olhos e começou a subir os degraus,mas não existia
algum -pensou o velho.
- Não importa, faz o que te digo - ordenou aquela voz que não reconhecia.
O velho fez o que lhe fora ordenado.Fechou os olhos, dormiu e nunca mais acordou.
Naquela tarde ao chegar em casa, viu, no fundo dos olhos de sua mãe, lagrimas como um regato, uma coisa que pareceu lhe sufocar. Porém, no momento em que ia chorar,virou a cabeça e viu que o seu avô agora era apenas um reflexo nas lagrimas.


Estes são alguns dos episódios de uma história que nunca termina.Toma para si muitas formas. Algumas dessas formas nem sequer se intitulam

A.S.Drumond

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