O
ultimo voo no deserto.
Do
fundo da tenda quente onde ele agora se escondia de si mesmo,ouviu o
som de uma voz conhecida,desceu de sua cama coberta de pele de camelo
e com as vistas já embaçadas pelo tempo e o vento do deserto pegou
o seu bastão velho companheiro dos tempos de jornada no meio das
tempestades e seguiu rumo ao fio de luz que se formou na entrada da
tenda,foi como ver o mar e as grandes ondas quebrando a monotonia do
lugar.
Como
se fosse possivel a calma fazer parte da historia desse navegador das
dunas do deserto que se ofereceu a ele ao longo de sua vida.Os olhos
acinzentados,fruto das grandes viagens que lhe foram propostas e
tambem dos desafios que vencera desde àquela noite impar em que ele
nasceu.
Nos
olhos outrora negros,resta agora só a sombra cálida e sem
brilho...Ele vem vindo.
Tocou
com as mãos calejadas os cabelos e o rosto e disse –É você
mesmo? Já nem acreditava mais que você viria me ver.E com lagrimas
nos olhos quase apagados abraçou e beijou seu neto que a tanto tempo
não via.Durante alguns minutos só se ouviu ali o silencio e a
respiração ofegante do velho tuareg.
-Eu
vim te dar um abraço meu avô e matar a saudade.- - Vô, hoje eu
quero que você faça festa e coma a comida melhor que puder
comer,faça a melhor festa que puder fazer e beba a melhor bebida que
houver e dance com todo o vigor que houver dentro de você.
-
Está bem, meu filho - disse o velho tuareg –hoje vou me banhar
mais cedo do que de costume,irei as dunas,onde há mais vento, e
tirarei dela uma quantidade maior de vida.Hoje não voltarei mais
cedo para minha tenda, atarei as minhas sandalias mais depressa e
irei logo viver em grande porção essas coisas deliciosas.
Naquela
manhã o sol se levantou mais cedo e partiu para as montanhas.
Trabalhou arduamente cortando o céu com sua chama enorme e fez uma
festa enorme, que cobriu os ombros do velho tuareg e o carregou nos
ombros até o centro da aldeia.
Ainda
era muito cedo. E o velho tuareg parecia um menino e bateu as mãos,
dizendo:
-Venham,
abram a tendas. Estou com fome e sede;meus ouvidos precisam ouvir
alguma musica antes de eu partir para sempre.
Nenhuma
tenda continuou fechada. O velho tuareg não estava tão cansado,
seus pés faziam a areia se mexer debaixo deles enquanto dança e
ria.Algumas horas depois, o sol já estava alto.Bateu novamente as
mãos e disse:
-Tragam
logo a comida. Preciso comer a carne mais saborosa tostada sobre o
melhor fogo que a lenha já fez.
A
aldeia agora era só festa e tinha esquecido completamente da solidão
de outrora do velho tuareg que na noite anterior, tinha se
deitado,desarrumado e que agora parecia menino arrumado para dar um
passeio. Em seus olhos não havia mais a neblina do esquecimento que
o deixou durante anos como uma porta da casa fechada.
Assim,
o velho disse a si mesmo:
-
Já é não é muito tarde para eu viver e sorrir. Correrei para as
montanhas e caçarei o mais de todos os animais e trarei o maior
feixe de lenha,agora tenho de novo ombros fortes pra levar cargas em
dobro.
Aquele
foi um dia de festa, coroado e enfeitado de festa que adentrou noite
a fora.
-
Vida,vida, não fecha a porta. Eu não estou cansado e olha que eu
fiz festa o dia todo. Preciso festejar mais esta noite para
aproveitar minhas forças.
Cansado,saciado
e, vendo que podia viver novamente, o velho por uns instantes se
assentou ao lado fogueira. Apesar de cansado de tanto que
dançou,bebeu comeu e festejou, ainda conseguiu ficar acordado:não
adormeceu logo.Acordou bem cedo na manhã seguinte, antes mesmo de
sol se levantar na aurora.
Sentou-se,
na sua cama olhou ao redor,viu seu neto ao seu lado,que ao vê-lo
acordado disse:
-
Arruma suas coisas! Deixa tua tenda e vem comigo.Comigo sempre terás
o suficiente, terás uma vida tranquila.
O
velho levantou-se e caminhou na direção da tenda por onde o sol
entrava, andou e andou,então sentiu mais cansaço,ficou triste, com
vontade de chorar, mas percebeu que não era hora de chorar. Assim,
despediu-se de seu neto e o viu partir deixando um rastro de poeira
no horizonte.
O
tempo passava e parecia a cada dia que não acordaria novamente.
Sentia frio e solidão demais para poder dormir.
Foi
naquela tarde que o frio chegou e com ele a narrativa de si mesmo,
como se fosse um conto, tudo o que tinha acontecido desde que se
tomara por gente.
Sua
historia começava a ter fim, pareceu-lhe ouvir a voz do neto outra
vez, vinda de algum lugar no alto, como se saísse do amanhecer, que
dizia:
-
Vô olha como o céu esta lindo,me dá a sua mão e vamos correr
pelas dunas.
O
velho fechou os olhos e começou a subir os degraus,mas não existia
algum
-pensou o velho.
-
Não importa, faz o que te digo - ordenou aquela voz que não
reconhecia.
O
velho fez o que lhe fora ordenado.Fechou os olhos, dormiu e nunca
mais acordou.
Naquela
tarde ao chegar em casa, viu, no fundo dos olhos de sua mãe,
lagrimas como um regato, uma coisa que pareceu lhe sufocar. Porém,
no momento em que ia chorar,virou a cabeça e viu que o seu avô
agora era apenas um reflexo nas lagrimas.
Estes
são alguns dos episódios de uma história que nunca termina.Toma
para si muitas formas. Algumas dessas formas nem sequer se intitulam
A.S.Drumond